Nas mãos o espelho,
da alma gasta de um velho
é linhas, é fragmentos,
de entes e vidas e lamentos
tal a caixa das moscas mortas
e das larvas e baratas tortas;
os bafos do relógio temporão
desdenham das cismas da razão;
dois pedaços de queijo bafiento
deixados, sem rei, ao relento
e teias ávidas de aranhas
no telheiro e nas entranhas.
O canapé molhado das trevas
a concha vazia das cevas
a porta dançando com o vento
no ocaso da noite do julgamento.
A alfombra escarlate é já orfã
das passadas trémulas do teu afã;
a cabeça se tomba, esquecida,
e as mão pendentes, sem vida.
Lá fora, ecoam latidos inopinados
dos cães de Cerbére outrora calados.
Vão levar-te à barca do vil Caronte
e fechar gelosias do sol do horizonte.
Apagam-se as chamas das serpentinas
e olhares de mocho cruzam cortinas.
Crias ser bicho ileso a essas mortes
basta uma delas calhar-te em sortes.
Convenceu-te agora, ancião descrente?
O sopro da vida é só transiente
como o acorde da guitarra errante
e da canção da idade infante.
E nem as carnes e nem a memória
farão relato da tua pobre história.