Abrasivo lilás

26 09 2007

Vieste…

e desenredaste um novelo
de mundos de benquerença,abraco.jpg
com borboletas no cabelo
e as tuas mãos de renascença,
e os laços de lilazes melancólicos
e esses ares de mulher celeste
e um cento de sorrisos bucólicos
que não há olhar que conteste.

Vieste..

…e teimaste em ver-te partir.





As defesas do impossível

22 03 2007

Apetecia-me copiar-te num mundo de pó
ou de casinhas de palha
ou de outra coisa qualquer
daquelas a que basta um sopro dos céus
ou uma viração da má têmpera do mar
para desabar inapelavelmente.
E desses garatujos de carvão,
numa folha de papel
ou nas estradas curvas do cérebro
ser artesão
ser mentiroso escorpião
e crer neste ânimo de salvação
para reconstruir tudo à mão,
com um qualquer desses cimentos
carregados por pardos jumentos
e fazendo do refazer
rodear-me de uma muralha
como quem se abestalha
e na besta renascida
ver sopro de vida
ver alma protegida
e apagar-te do meu lado
como se cá não tivesses estado.





Admirável Casa Nova

15 03 2007

Sejam bem-vindos à nova casa do Grão de Pó.





Um adeus sem corpo

28 08 2006

 

 

 

 

 

O fulgor descorçoado deste dia findo
é um retrato da tua despedida.
Abalaste tão leve quanto tinhas vindo
e eu nem dei conta da tua partida.

Este vácuo comprido que quase me cinge
como o terno abraço duma silhueta
Não é além de uma fantasia que finge
que ainda aqui te acho, amante predilecta.

Porque te esquivaste de mim?





Abelhas

15 03 2006

Vês como fogem?
Olha…
Como correm despudoradas e nuas
sem hesitar, as infelizes gazuas
em te estilhaçar se lhes insinuas
os teus sonhos e as cores.
vencem-te nos torpores
somem-se como vapores
de infames desamores
vão como vieram
assim os deuses as fizeram
ou deixaram corroer
em suplícios de prazer.
Têm olhares de esguelha
e ferrões de abelha
que te hão-de espetar
fazer-te sangrar
chorar
e das lágrimas celebradas
de fúrias salgadas
elas te roubam o último quinhão
a parte que resta do teu embrião
e riem
riem silenciosamente como perdidas
escarnecem das tuas investidas
fazem sarcasmo da tua fraqueza
são predadoras, e tu és presa
adianta rezares em vão?
acaso algum anjo te cede a mão?
admite, estás vencido
corrompido
exaurido
do teu ânimo só restam cacos
os teus músculos estão fracos
não sentes as pernas trôpegas?
estás à mercê das bruxas sôfregas
já nem de ti tens compaixão?
que hemorragia de razão!
é a morte certa que te dá força?
antes te quebre do que te torça
sempre foste assim
mas agora é mesmo o fim.





Música morta (derivação de “O Velho e a Guitarra”)

16 02 2006

Nas mãos o espelho,
da alma gasta de um velho
é linhas, é fragmentos,
de entes e vidas e lamentos
tal a caixa das moscas mortas
e das larvas e baratas tortas;

os bafos do relógio temporão
desdenham das cismas da razão;
dois pedaços de queijo bafiento
deixados, sem rei, ao relento
e teias ávidas de aranhas
no telheiro e nas entranhas.

O canapé molhado das trevas
a concha vazia das cevas
a porta dançando com o vento
no ocaso da noite do julgamento.
A alfombra escarlate é já orfã
das passadas trémulas do teu afã;
a cabeça se tomba, esquecida,
e as mão pendentes, sem vida.

Lá fora, ecoam latidos inopinados
dos cães de Cerbére outrora calados.
Vão levar-te à barca do vil Caronte
e fechar gelosias do sol do horizonte.
Apagam-se as chamas das serpentinas
e olhares de mocho cruzam cortinas.

Crias ser bicho ileso a essas mortes
basta uma delas calhar-te em sortes.
Convenceu-te agora, ancião descrente?
O sopro da vida é só transiente
como o acorde da guitarra errante
e da canção da idade infante.
E nem as carnes e nem a memória
farão relato da tua pobre história.

 





Amores (jogos cristalizados)

30 01 2006

Cansei-me dos cupidos urgentes
e dos lamentos ardentes
de espécimes carentes.
E desses gumes pungentes
com que talhas as gentes
quais troféus decadentes
dessas guerras de amores indecentes.

Cansei-me das ruínas cinzentas
de utopias pardacentas
de paixões sempre lentas.
E dessas miradas isentas
das amantes peçonhentas
das dentadas raiventas
dessas guerras de paixões quezilentas.

Como lhes caiem as máscaras…
aos guerreiros do amor
se lhes revelam as faces de jogador.
Mas…
se amar é jogar
vou esconder as apostas
vejo-me sem pagar
no espelho das tuas costas.
Desse jeito mentiroso não jogo,
deita fora as cartas e os dados, por favor
se, por mim, não passas a mão pelo fogo
não atiço, por ti, uma chama de amor.





Do fim das vicissitudes

12 01 2006

De que côr são os olhos que se escondem atrás de mim?
Da matiz das memórias que sigo sem fim.





Retrato a controlo remoto

4 01 2006

Guardo no armário
a fotografia estimada
do ápice do teu semblante.
É justo mostruário
da saudade velada
de uma quimera distante.





A dança dos pássaros invisíveis

27 12 2005

Triste privação determinista
que me traz assim,
sem ao menos ter vista
da garatuja imprevista
duma silhueta de mim.

Em caprichos de cores efusas
e de luzes queimadas
rodopiam as matérias difusas
de memórias confusas
das estradas passadas.

Derretem as ceras da vergonha.
E nos mares gelados,
com as serpentes de peçonha,
morrem as caras do homem que sonha
e perecem, com ele, os sonhos tentados.

Reduzido a pouco,
não vou tampouco
além da penúria desta sina.
Feito num nada,
de vida estilhaçada,
sou refém de vilões de rapina.

Mostrem o rosto, ó aves reles
assumam o vosso alvo natural.
Consumam-me as carnes e as peles
e guardem-me, depois, em tumba banal.